Museu da Língua Portuguesa inaugurado em São Paulo
Discurso do ministro Gilberto Gil no Museu da Língua Portuguesa
São Paulo, 20 de março de 2006
Bom dia, amigos e amigas de São Paulo! Bom dia, amigos e falantes da língua portuguesa!
São Paulo, 20 de março de 2006
Bom dia, amigos e amigas de São Paulo! Bom dia, amigos e falantes da língua portuguesa!
A Estação da Luz transforma-se na estação da língua e da palavra. E afinal, de que são feitas as palavras,
se não da luz do som, da luz dos olhos e das mãos? Os versos de Cecília Meireles nos inspiram:
Ai, palavras, ai, palavras,
Que estranha potência a vossa!
Ai, palavras, ai, palavras,
Sois de vento, ides no vento,
No vento que não retorna,
E, em tão rápida existência,
Tudo se forma e transforma!
No prazer de saborear palavras com a língua portuguesa poderíamos passar aqui muitas horas a conversar, mas aqui estamos para inaugurar o Museu da Língua Portuguesa, um museu que une tradição e tecnologia para apresentar aos cidadãos a importância da comunicação, que, afinal de contas, é o ponto de encontro dos seres humanos.
A nossa linguagem é falada por uma voz muito própria, de modo gestualizado e corporalmente falante, uma performance de corpo vital em nosso sistema de comunicação. Monteiro Lobato foi um dos que observaram muito bem essa nossa figuração da língua sob a imagem do Jeca Tatu. O cinema brasileiro bebeu nessa fonte em momentos de grande popularidade através dos memoráveis mestres dessa língua corporal brasileira como Masarope, Oscarito e Grande Otelo.
Curiosamente nos reunimos aqui hoje nessa estação da Luz que surge nos contos novos de Mário de Andrade e é o lugar itinerante de um operário que vagueia num primeiro de maio. Nessas vizinhanças nas quais se abriam as tantas portas de entrada para a São Paulo. Uma cidade que começava a crescer com sua indústria e trazia para dentro de si, através da máquina a vapor, os muitos sotaques e as muitas populações que se fundem nesse idioma. Quantas línguas somos capazes de falar ao mesmo tempo e quantos Brasis existem num só território.
Língua é identidade nacional em processo.
A inauguração do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo evoca espacialmente essa passagem de Mário de Andrade. Mas para além de suas andanças pela Paulicéia Desvairada, foi ele, Mário de Andrade, que idealizou a criação do Museu da Palavra. Nesse Museu, vinculado à Divisão de Expansão Cultural do Departamento de Cultura da Cidade de São Paulo, estariam reunidos registros das diferentes modalidades, ritmos, entonações e
expressões dos falares brasileiros, eruditos e populares.
Foi ainda Mário de Andrade que organizou o 1º Congresso da Língua Nacional Cantada, em julho de 1939. De algum modo, ali, em Mário de Andrade, encontram-se algumas sementes do Museu que hoje inauguramos.
Oswald de Andrade é outro que devemos evocar com as memórias sentimentais de seu alter ego que perambula nessa região central da cidade fazendo o caminho encantado dos bondes elétricos - outra face dessa mesma São Paulo e de nossa língua desde sempre experimental. Oswald, que foi um precursor da poesia concreta, captou tão bem a língua urbana e sua espacialidade impressa. Assim como Haroldo de Campos que, em seus poemas, traduziu uma língua quase gráfica.
O Museu da Língua Portuguesa hoje inaugurado, ao contar a história da língua, oferece, com arte e tecnologia, uma viagem pelo tempo e pela cultura brasileira. Além disso, com a exposição temporária sobre Guimarães Rosa, comemora os 50 anos de Grande sertão: veredas.
Este Museu, desde o início, contou com o apoio do Governo Federal e do Ministério da Cultura que contribuíram na sua concepção, na restauração desse belo edifício e no seu financiamento, que se viabilizou por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
São investimentos notáveis, mas é preciso avançar e investir ainda mais nas ações de educação, na acessibilidade, nas exposições, na conservação e na segurança dos museus. Nesse sentido, a criação do Instituto Brasileiro de Museus, sobre a qual tenho me manifestado insistentemente, é urgente. Precisamos de um Instituto que cuide dos museus com atenção e carinho especiais.
A instalação do Museu da Língua Portuguesa nesta antiga estação ferroviária, parte de uma rede de caminhos
de ferro que se espalham pelo Brasil, deve servir para inspirar a sua vocação. Que esse museu seja um ponto de intensa articulação de uma rede de valorização da língua portuguesa; que ele seja uma estação de idas e vindas, de chegadas e partidas, local de troca e irradiação dos movimentos da língua viva, que nos muda e é continuamente por nós modificada.
Um dos desafios desse Museu é tratar a língua portuguesa não apenas como patrimônio que se transmite de uma geração para outra, mas também como Mátria e Matriz que une e irmana, no mundo, todos os cidadãos que falam a língua portuguesa. Um povo é considerado extinto quando sua língua morre. Manter a língua viva é, portanto, manter uma cultura viva.
Segundo pesquisa da Unesco, metade das seis mil línguas do mundo estão em risco de extinção e, a cada duas semanas, uma língua desaparece. O mesmo estudo aponta o português como a sexta língua mais falada no planeta e como língua oficial de oito países, dos quatro continentes. O que mostra como a língua portuguesa é cada vez mais importante no mundo.
A vitalidade de uma língua é a vitalidade de um povo. Se os atos de fala e os atos de palavra podem ser ações, gerar movimentos e criar realidades, então faço aqui da minha palavra um voto: que este Museu amplifique e ressoe a voz da Língua Portuguesa no mundo. Gilberto Gil
se não da luz do som, da luz dos olhos e das mãos? Os versos de Cecília Meireles nos inspiram:
Ai, palavras, ai, palavras,
Que estranha potência a vossa!
Ai, palavras, ai, palavras,
Sois de vento, ides no vento,
No vento que não retorna,
E, em tão rápida existência,
Tudo se forma e transforma!
LÍNGUA é uma palavra da língua portuguesa que a língua gosta de falar. Que paixão falar palavras em língua portuguesa. Que paixão é essa que prende e liberta aquele que faz da palavra o seu ofício! "Há pessoas", como diz Manoel de Barros, "que se compõem de atos, ruídos, retratos. Outras de palavras. Poetas e tontos se compõem com palavras".
No prazer de saborear palavras com a língua portuguesa poderíamos passar aqui muitas horas a conversar, mas aqui estamos para inaugurar o Museu da Língua Portuguesa, um museu que une tradição e tecnologia para apresentar aos cidadãos a importância da comunicação, que, afinal de contas, é o ponto de encontro dos seres humanos.
A nossa linguagem é falada por uma voz muito própria, de modo gestualizado e corporalmente falante, uma performance de corpo vital em nosso sistema de comunicação. Monteiro Lobato foi um dos que observaram muito bem essa nossa figuração da língua sob a imagem do Jeca Tatu. O cinema brasileiro bebeu nessa fonte em momentos de grande popularidade através dos memoráveis mestres dessa língua corporal brasileira como Masarope, Oscarito e Grande Otelo.
Curiosamente nos reunimos aqui hoje nessa estação da Luz que surge nos contos novos de Mário de Andrade e é o lugar itinerante de um operário que vagueia num primeiro de maio. Nessas vizinhanças nas quais se abriam as tantas portas de entrada para a São Paulo. Uma cidade que começava a crescer com sua indústria e trazia para dentro de si, através da máquina a vapor, os muitos sotaques e as muitas populações que se fundem nesse idioma. Quantas línguas somos capazes de falar ao mesmo tempo e quantos Brasis existem num só território.
Língua é identidade nacional em processo.
A inauguração do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo evoca espacialmente essa passagem de Mário de Andrade. Mas para além de suas andanças pela Paulicéia Desvairada, foi ele, Mário de Andrade, que idealizou a criação do Museu da Palavra. Nesse Museu, vinculado à Divisão de Expansão Cultural do Departamento de Cultura da Cidade de São Paulo, estariam reunidos registros das diferentes modalidades, ritmos, entonações e
expressões dos falares brasileiros, eruditos e populares.
Foi ainda Mário de Andrade que organizou o 1º Congresso da Língua Nacional Cantada, em julho de 1939. De algum modo, ali, em Mário de Andrade, encontram-se algumas sementes do Museu que hoje inauguramos.
Oswald de Andrade é outro que devemos evocar com as memórias sentimentais de seu alter ego que perambula nessa região central da cidade fazendo o caminho encantado dos bondes elétricos - outra face dessa mesma São Paulo e de nossa língua desde sempre experimental. Oswald, que foi um precursor da poesia concreta, captou tão bem a língua urbana e sua espacialidade impressa. Assim como Haroldo de Campos que, em seus poemas, traduziu uma língua quase gráfica.
O Museu da Língua Portuguesa hoje inaugurado, ao contar a história da língua, oferece, com arte e tecnologia, uma viagem pelo tempo e pela cultura brasileira. Além disso, com a exposição temporária sobre Guimarães Rosa, comemora os 50 anos de Grande sertão: veredas.
Este Museu, desde o início, contou com o apoio do Governo Federal e do Ministério da Cultura que contribuíram na sua concepção, na restauração desse belo edifício e no seu financiamento, que se viabilizou por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
São investimentos notáveis, mas é preciso avançar e investir ainda mais nas ações de educação, na acessibilidade, nas exposições, na conservação e na segurança dos museus. Nesse sentido, a criação do Instituto Brasileiro de Museus, sobre a qual tenho me manifestado insistentemente, é urgente. Precisamos de um Instituto que cuide dos museus com atenção e carinho especiais.
A instalação do Museu da Língua Portuguesa nesta antiga estação ferroviária, parte de uma rede de caminhos
de ferro que se espalham pelo Brasil, deve servir para inspirar a sua vocação. Que esse museu seja um ponto de intensa articulação de uma rede de valorização da língua portuguesa; que ele seja uma estação de idas e vindas, de chegadas e partidas, local de troca e irradiação dos movimentos da língua viva, que nos muda e é continuamente por nós modificada.
Um dos desafios desse Museu é tratar a língua portuguesa não apenas como patrimônio que se transmite de uma geração para outra, mas também como Mátria e Matriz que une e irmana, no mundo, todos os cidadãos que falam a língua portuguesa. Um povo é considerado extinto quando sua língua morre. Manter a língua viva é, portanto, manter uma cultura viva.
Segundo pesquisa da Unesco, metade das seis mil línguas do mundo estão em risco de extinção e, a cada duas semanas, uma língua desaparece. O mesmo estudo aponta o português como a sexta língua mais falada no planeta e como língua oficial de oito países, dos quatro continentes. O que mostra como a língua portuguesa é cada vez mais importante no mundo.
A vitalidade de uma língua é a vitalidade de um povo. Se os atos de fala e os atos de palavra podem ser ações, gerar movimentos e criar realidades, então faço aqui da minha palavra um voto: que este Museu amplifique e ressoe a voz da Língua Portuguesa no mundo. Gilberto Gil
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