terça-feira, setembro 13, 2005

ELISMO - VEÍCULO DE CULTURA LUSÍADA II

TESE APRESENTADA POR
MARIANA FERNANDES
DO
ELOS CLUBE DE FARO
CONVENÇÃO CONTINENTAL ELISTA
FARO, 13 DE AGOSTO DE 2005

Ao Elismo – bem como a outros agrupamentos, claro – como uma vasta cadeia de
elos que ligam todos os povos lusófonois cabe a honra e o dever de defender e divulgar a
cultura lusíada.

Por cultura lusíada entendo uma cultura muito mais abrangente do que a portuguesa,
uma cultura formada e desenvolvida pelo intercâmbio de todas as culturas que estão na
raiz da formação, do crescimento e do desenvolvimento do povo português e de todos
os outros com os quais tem contactado ao longo dos séculos.

Os aspectos que permitem identificar uma cultura são muito variados. No caso
específico portugês vou tomar como referência a criatividade e o “deixar correr”.
A criatividade é aquela qualidade que nós Portugueses, avaros na avaliação dos nossos
méritos e generosos na avaliação dos outros povos, designamos por desenrascanço.
O português é e sempre foi muito criativo o que o tem levado a fazer inovações em
campos varíadissimos e, dum modo geral, de grande qualidade. Mas com o “deixar
correr”, essas contribuições são, na generalidade, soberanamente ignoradas pela maioria
dos próprios Portugueses.

Vejamos alguns exemplos significativos.

Foram os primeiros a organizar os rudimentos dos primeiros dicionários com o
significado das palavras desconhecidas que encontravam nos novos povos que
descobriam e que lhes facilitavam a comunicação com esses e outros povos, como o
testemunhou Duarte Pacheco Pereira no seu admirável Esmeraldo de Situ Orbis,
mas este facto é ignorado pela grande maioria dos Portugueses e não é valorizado pelos
que o conhecem e têm obrigação de o não esquecer e dá-lo a conhecer e a toda a
hora a língua portuguesa é atropelada sem dó nem piedade.

Têm criado uma literatura vastísima e riquísima na qual refiro, a título de exemplo,
apenas alguns dos autores dos muitos que considero bem representativos do conjunto:
Camões, Fernão Lopes, Garcia de Resende, Gil Vicente, Fernão Mendes Pinto,
Alexandre Herculano, Almeida Garret, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, Jorge
Amado, João Guimarães, Mia Couto, José Eduardo Agualusa, Tomé Vieira da
Cruz, Noémia de Sousa, Agustina Bessa Luís, etc. , etc., mas não se faz um esforço sério
para desenvolver o gosto pela leitura a não ser por alguns organismos particulares e,
nesse aspecto, o Elos Clube está de parabéns pelos esforços que faz nesse sentido.

Construíram um dos monumentos mais significativos do gótico europeu – o Mosteiro da
Batalha – cujas Capelas Imperfeitas são um dos mais completos e brilhantes hinos ao
gótico flamejante, mas tiveram a coragem de, em vez de reconstruírem, acabarem de
demolir os restos dos claustros de D. João III que sobraram da barbaridade dos soldados
de Napoleão quando saquearam o Mosteiro, “limparam” a Capela do Fundador e
queimaram a biblioteca.

Fizeram os Painéis de S. Vicente, aqueles painéis espantosos que, em pleno século XVI,
quando na pintura europeia dominavam o temas religiosos, têm representadas todas as
figuras com as cracterísticas da pintura realista que a Europa só viria a descobrir na
segunda metade do século XIX, mas os painéis estiveram desaparecidos e foram
descobertos, por acaso, abandonados, entre restos de pedras e tábuas inúteis.

Lançaram as bases da ciência newtoniana, tiveram os conceitos de campo gravítico
terrestre, de linhas de campo gravítico, suspeitaram da analogia (hoje admitida como
certa) das forças gravítica, eléctrica e magnética, identificaram e estudaram as correntes
marítimas, fizeram as correcções – exactamente como ainda hoje se fazem – da escolha
do rumo dum navio tendo em consideração a declinação magnética e a distribuição das
massas metálicas no navio, aplicaram a relação conhecida hoje como “relatividade de
Galileu” antes de Galileu ter nascido, etc., etc., mas deixaram perder essa ciência e nem
falam dela.

Fizeram, por todo o mundo, o maior transporte de plantas e animais jamais realizado:
levaram as mangueiras da Índia para o Brasil, as palmeiras reais para o Brasil, etc.,
criaram no Rio de Janeiro o primeiro Jardim Botânico para adaptação das plantas
transplantadas a fim de sobreviverem no Brasil e poderem ser transplantadas para outras
regiões, mas o belo e rico Jardim Botânico de Lisboa está a morrer.

No Tramagal foram construídos os núcleos dos electroímanes do C. E. R. N.;
na Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra são testadas as redes de detecção
de partículas do C.E.R.N.: foram os engenheiros do I.S.T., em Lisboa, que
resolveram o problema da transmissão de dados entre os vários pisos do C. E. R. N..

O I.S.T é uma das 12 escolas de engenharia reconhecidas em todo o mundo pela sua
alta qualidade.

É português o homem que escreveu a tese de doutoramento sobre águas subterrâneas
com a qual o M.I.T ganhou o 1º prémio num concurso a nível mundial.

Foi um português que criou o conceito de cérebro emocional.

Foi uma portuguesa que descobriu um dos V.I.H..

De todos os salões de inventores os Portugueses trazem medalhas como reconhecimento
pela elevada qualidade e oportunidade das suas invenções.

Foi Portugal o primeiro país a acabar com a escravatura e com a pena de morte mas
onde foi possível cortar com uma serra eléctrica, numa só noite, um carvalho que já era
“homenzinho” quando o Papa reconheceu D.Afonso Henriques como Rei de Portugal,
segundo uma notícia que, há alguns anos, li num jornal. E é ainda em Portugal que é
possível assistir-se ao espectáculo inacreditável de estar tudo a arder, a milhares de
vidas, entre pessoas, animais e plantas serem consumidas, a acabar-se a água e não se
ver uma reacção nacional, viva, sentida, capaz de mobilizar toda a gente, contra uma
situação inadmissível.

É Portugal o país que tem sido capaz de sobreviver a pilhagens sucessivas realizadas por
invasores e por amigos que o vêm ajudar contra os invasores mas que, às vezes, parece
esquecer-se de defender os seus valores.

É Portugal o primeiro país que criou a instituição Santa Casa da Misericórida mas que
não prevê e não planifica as acções que defendem a sua identidade que, por sinal, é bem
rica e variada e da qual só temos motivos para nos orgulharmos.

Faro, 9 de Agosto de 2005

Mariana Teles Antunes Pais Dias Fernandes