quinta-feira, junho 15, 2006

Pronunciamento de Edurado Neves Moreira na Sessão Solene Comemorativa dos 126 anos da Associação Beneficiente Luso-Brasileira

Pronunciamento por ocasião da Sessão Solene comemorativa da passagem dos 126 anos de fundação da ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE LUSO-BRASILEIRA


Comemorar mais um ano de fundação é sempre gratificante para qualquer entidade. No entanto, festejar a passagem de 126 anos de existência de uma sociedade voltada para o bem fazer é motivo de júbilo, de admiração e de esperança. Júbilo, porque todos os que trabalham e dirigem esta instituição e os que têm recebido os benefícios da sua ação filantrópica, estão radiantes por mais esta comemoração. Admiração, por parte de todos os que tomam conhecimento da bela trajetória histórica da Associação Beneficente Luso-Brasileira e da sua atividade em prol dos mais necessitados, chegando mesmo a ficarem boquiabertos pela profícua e longa duração desse trabalho fecundo que se estende por muito mais de um século e sem interrupção, proporcionando o alívio tão necessário àqueles que se apresentam desamparados e a viver à margem da sociedade, contemplando-os com o apoio tão necessário a viverem com as condições mínimas de dignidade de que carece um ser humano. De esperança, porque, nos dias de hoje, em que cada vez se torna mais difícil suprir as necessidades dos mais carentes face aos elevados custos, dos medicamentos, das internações hospitalares e da insuficiência do número de casas destinadas ao atendimento à terceira idade, esta casa constitui um exemplo de persistência e de dedicação por parte dos seus quadros dirigentes, suprindo, para muitos, essas necessidades que lhes deviam ser conferidas pelo poder público. Esse grandioso exemplo vem da sua origem, a origem portuguesa da qual só tem que se orgulhar, pois, em todos os quadrantes deste mundo aonde os portugueses chegaram, esse exemplo de solidariedade humana se fez sentir. Onde quer que os portugueses chegassem, logo se apressavam em fundar um hospital, um ambulatório ou uma casa assistencial em que pudessem oferecer o tratamento e o amparo necessários à manutenção de sua saúde, fazendo sempre questão de estender tal apoio aos naturais das terras que os acolhiam. Da mesma forma era obrigatório o surgimento de um templo religioso, onde agradeciam a Deus pelo resultado das suas conquistas e onde promoviam a nobre função de expandir a sua religiosidade fazendo chegar a doutrina legada pelos seus antepassados a todos os povos que os recebiam, contribuindo decididamente para a expansão do cristianismo no mundo. Também nunca deixavam de fundar uma associação recreativa, sempre voltada para o culto das suas origens e tradições folclóricas, onde amainavam o seu cansaço após uma semana de trabalho, matavam as saudades da sua terra longínqua e conviviam com os amigos e os seus conterrâneos. E foi assim, que foram surgindo, por este mundo afora, mais de 3.000 associações de origem portuguesa que são, sem sombra de dúvida, a razão mais forte da nossa presença em todos os continentes e uma das ações mais importantes na apreciação do processo de difusão da língua portuguesa no mundo. Nos dias em que vivemos, deparamo-nos com novo e empolgante desafio: é que em grande parte dos países que acolheram as nossas comunidades emigrantes, essa emigração cessou, fazendo-nos examinar com grande preocupação, como manter essas associações, como preservar o patrimônio que possuem, como conseguir quadros dirigentes para as conduzirem e fazerem preservar os seus nobres objetivos, tudo para manter a nossa presença e a nossa cultura vivas no estrangeiro, pois em muitos países a ação das entidades de raiz portuguesa acabam por desenvolver relacionamentos e estimular contatos informais, a nível internacional, com maior desenvoltura que os próprios instrumentos governamentais existentes entre esses países, proporcionando um auxílio fundamental e indispensável à ação das chancelarias. A nossa maior esperança deposita-se exatamente na figura dos luso-descendentes que em número cada vez maior vêm participando dos quadros dirigentes dessas associações, constituindo-se numa força crescente e a garantia da nossa presença nos países de acolhimento. Quero aproveitar esta oportunidade para lançar um apelo aos nossos descendentes para que, dentro das suas possibilidades, dediquem algum tempo à preservação dessas entidades que foram construídas com muito amor, muito empenho e muita dedicação pelos seus antepassados e que merecem, desses jovens, o respeito e a dedicação às suas origens.

Assim também se formou a Associação Beneficente Luso-Brasileira, fruto do sonho e da vontade de uns corajosos portugueses que se uniram no firme propósito de criar uma sociedade que proporcionasse o apoio e o auxílio necessários aos seus compatriotas em situação de maior dificuldade. E foi assim que surgiu, em 10 de junho de 1880, a Sociedade de Socorros Mútuos Luiz de Camões, formada por ocasião das comemorações do tricentenário da morte do grande poeta da raça e que, no decorrer dos anos, acabou por incorporar uma série de associações voltadas para a filantropia e a mutualidade, como a Real Associação Beneficente dos Artistas Portugueses, o Centro Luso-Brasileiro Paulo Barreto, a Congregação dos Filhos do Trabalho D. Carlos 1º, Rei de Portugal, a Sociedade Beneficente das Famílias Honestas e a Caixa Humanitária dos Pedreiros, mudando posteriormente de nome, quando passou a se denominar Sociedade Beneficente Luso-Brasileira, num exemplo de fusão associativa que soube ultrapassar as dificuldades impostas pelos novos tempos, constituindo-se num exemplo que merece ser alvo de reflexão, de interesse e de seguimento por parte de muitas outras, recebendo, mais recentemente, a atual denominação de Associação Beneficente Luso-Brasileira.

Se ainda hoje, ressaltamos a importância de entidades de caráter filantrópico como coadjuvantes do poder público na prestação do auxílio aos carentes, naquele tempo, quando não havia previdência social oficial, quando grassavam epidemias das mais sérias e quando os recursos da medicina eram muito mais limitados, o valor de tais instituições era fundamental e muitos foram os que se salvaram pelo apoio fundamental prestado por elas. A necessidade da existência de tais iniciativas de caráter particular era tão importante que quase se podia dizer que era a certeza do apoio para quem podia contar com elas ou o desamparo e até a morte a quem não as tinha, pois o Estado pouco podia fazer. No final do século XIX e início do século XX, surgiram nesta cidade diversas outras associações que buscavam dar esse apoio e promover a união entre os portugueses e seus descendentes, como por exemplo a Fraternidade dos Filhos da Luzitânia, a Associação Beneficente Memória a D. Afonso Henriques, o Centro Humanitário Mouzinho de Albuquerque, a Real Associação Beneficente Conde de Matosinhos e São Cosme do Vale, a Associação Beneficente Memória ao Almirante Saldanha da Gama, a Sociedade Protetora dos Barbeiros e Cabeleireiros, a Sociedade União Beneficente dos Cocheiros e a Sociedade Auxiliadora dos Artistas Alfaiates, entre outras. Nessa época também foram fundadas a Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência e a Real e Benemérita Sociedade Portuguesa Caixa de Socorros D. Pedro V, a primeira atravessando atualmente grave crise financeira e administrativa e a segunda, ainda em plena atividade, constituindo-se num dos belos exemplos de filantropia portuguesa desta cidade e que, apesar das dificuldades do presente, continua a prestar inúmeros benefícios aos necessitados.

A minha experiência junto às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, obtida durante o mandato parlamentar que tive a honra de ocupar na Assembléia da República Portuguesa nesta última legislatura, quando tive a oportunidade de visitar núcleos portugueses nos locais mais longínquos, veio me proporcionar um conhecimento adicional que fez aumentar o meu orgulho como cidadão e como português, por tudo o que nós, portugueses, temos sido capazes de criar, constituindo uma malha associativa admirável, além de formar um patrimônio cultural, arquitetônico, social e filantrópico, sem comparações, realização que só se tornou possível graças à coragem, à determinação e ao universalismo do nosso povo, que, em todos os quadrantes, soube se integrar, independentemente da raça, do credo ou da cultura dos povos que o acolheu. Quero ressaltar que o nosso povo tem uma característica peculiar: comemora a sua data nacional, no dia em que venera o seu poeta maior, diferentemente da maior parte dos países que têm como data maior, a comemoração de um feito histórico ou militar importante ou mesmo o dia da sua independência. Ao comemorarmos o Dia de Portugal, no dia em que veneramos Camões e a sua importante obra, já demonstramos o nosso sentimentalismo, a nossa sensibilidade e a nossa capacidade de integração. Nenhum povo conseguiu se integrar com tanta facilidade e adaptar-se à cultura de outros povos como o português, constituindo-se num exemplo de humanismo e globalização que só agora, séculos mais tarde, está a ser reconhecido cientificamente pela comunidade internacional.

Esse exemplo pôde ser constatado no Brasil, desde a chegada das caravelas de Pedro Álvares de Gouveia, posteriormente, Pedro Álvares Cabral, quando os navegadores, na tentativa de conseguirem a amizade e a aproximação com os nativos, desceram a terra com seus instrumentos musicais, flautas e tambores, que tocados, entusiasmaram os índios que logo se animaram, associando-se à apresentação, acompanhando-a com os seus chocalhos, constituindo-se no primeiro exemplo vivo da música popular brasileira. Isto me permite afirmar que a certidão de nascimento da música popular brasileira é a própria Carta de Pero Vaz de Caminha enviada ao Rei de Portugal, quando nela narra o episódio. Sobre o tema, quero agora apresentar-lhes uma poesia, cuja autoria é da Professora Marília Trindade Barboza, ilustre pesquisadora da cultura brasileira e ex-diretora do Museu da Imagem e do Som, que nos vai ser declamada pela querida amiga, Professora Maria Regina Câmara, que eu tenho o prazer de chamar a este microfone.



A música brasileira

A mais bela do universo

Por ser tão rica e tão vária

Deve ser cantada em verso


Ela nasceu com o Brasil

Em abril de mil e quinhentos

Umas dúzias de galegos

E, índios, mais de “trocentos”


Os marinheiros desceram

Carregados de bagagem

Se aproximando dos índios

Numa primeira abordagem


Das arcas iam saindo

Metais, de vinho um barril

Santinhos, cruzes, facões,

Uma gaita e um tamboril


Para mostrar cortesia

Tocando a gaita afinada

Um soldado lusitano

Deixou a tribo assombrada


Empunhando um tamboril

Chegou outro marinheiro

E os índios com seus chocalhos,

Num ritmo bem maneiro


Aos poucos, os instrumentos

Juntos, foram-se afinando,

Assim como as diferenças,

Todos, na roda, dançando


E cantando pela praia

Canção nova, bem fagueira

Nem tupi, nem lusitana,

Já música brasileira.


Quero me congratular com a Diretoria e demais poderes constituídos desta grande Associação Beneficente Luso-Brasileira, por mais um ano nesta sua magnífica trajetória histórica e que vem marcando de forma exemplar a presença de Portugal nesta tão bela cidade do Rio de Janeiro, berço de tantas paixões e realizações lusitanas e, ainda hoje, a presença mais forte da emigração portuguesa no Brasil, porque não dizer, do mundo.

A evolução dos tempos e os ajustamentos que se foram fazendo necessários para o prosseguimento dos nobres objetivos sociais desta instituição, não a prejudicaram e ela tem sabido se reorientar, modernizar, mantendo vivas as razões que levaram à sua constituição há 126 anos e fiel à sua origem, fundada que foi no dia 10 de junho, data nacional portuguesa, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, cuja passagem nós saudamos e reverenciamos nesta bela e histórica sede que hoje a todos nós recebe.

Desejo à Associação Beneficente Luso-Brasileira as maiores venturas e progresso e votos de que continue a prestar à comunidade carioca os seus importantes préstimos, para a nossa satisfação, para o nosso orgulho como luso-brasileiros e de todo o povo português.

Eduardo Neves Moreira*

*Presidente do Elos Clube do Rio de Janeiro