sábado, novembro 25, 2006

"Da minha língua vê-se o mar" por Isa Mestre

“Da minha língua vê-se o mar “

Sento-me aqui, no centro do mundo, no local onde nascem e morrem as tristes ondas do mar, na rocha onde se perdem os restos salgados da nossa ambição e vontade de vencer que nos conduziram pelo mundo fora.

E, passados tantos anos, ainda vejo as naus, ainda vejo mar repleto de heroísmo comandado, à proa, por marinheiros destemidos com roupas esfarrapadas pela ambição.

Ainda sinto o cheiro a honra deste país, o orgulho na minha língua e a coragem, que quando não coube no peito, transbordou em lágrimas que desceram suavemente pelos olhos agudizados de dor.

O meu cansaço encontrou um alívio para o sofrimento, para as horas de conquista, de amor e de luta.

Neste humilde local ancoraram os sonhos daqueles que quiseram ir mais além.

Hoje, aqui estou, neste promontório de onde se vê o mar, a escrever na mesma língua feita de orgulho de todos os feitos que o meu povo conseguiu.

Grito ao mundo: “Da minha língua vê-se o mar”, o grandioso, o herói, o sinuoso, o misto de beleza e sofrimento que transparece nos rostos daqueles que dele fizeram seu abrigo para as tormentas da vida.

E volto a ser o marinheiro que se despede de mulher e filhos, que promete que volta, que leva no coração a vontade de descobrir e entregar à sua pátria tal proeza. Como um menino inocente e humilde que, ao encontrar uma conchinha na praia, imediatamente corre a oferecer à sua mãe esse tesouro.

Recordo ainda os barcos balouçando lentamente sobre as ondas do mar, sublimando as dificuldades a cada passo.

E então grito, esbracejo, levo a todas partes do mundo aquilo que somos, o que sentimos, o que existe neste nobre coração ainda repleto da magia dos meninos que anseiam descobrir o mundo com a sua força de viver.

Ontem partimos em busca de um novo mundo, na tentativa desesperada de encontrar outras terras, outras gentes, outros gestos, outras leis.

Na verdade, encontrámos. Desbravando esse mar desconhecido, conquistando em cada onda a dignidade com que se conquista cada palmo de terra no sinuoso território da vida.

Da minha língua vê-se o mundo, sente-se, sonha-se…

Porque um dia construímos no efémero tempo bonitas histórias de amor sobre as ondas do mar.

As belas palavras que pronunciámos desenharam marcas no mundo, foram o início, o meio e o fim dessa viagem, o miradouro para o desconhecido.

E da nossa língua vimos o mar…

Como valentes nascemos embalados pelas ondas, sentimo-las como ninguém, fizemos delas o caminho para ir mais além, para espalhar a nossa pátria e edificar um novo mundo sobre as asas da ambição.

E porque a minha língua tem alma, uma alma que é preciso descobrir e cultivar, honrá-la-ei sempre e encarregar-me-ei de guardá-la entre as mais bonitas coisas da vida.

E mesmo quando as tormentas me impedem de alcançar o horizonte, sento-me e ouço o coração, depois, respiro suavemente e sigo o caminho que ele me indica.

Luto, luto, luto, como se da minha língua visse eternamente o mar, como se este novelo da vida não tivesse fim, como se nas minhas mãos transportasse a glória e o orgulho de quem descobriu algo para além da escuridão do desconhecido.

Hoje, em cada recanto do mundo, existe um pouco daquilo que as nossas mãos foram capazes de construir, há ainda uma réstia do heroísmo, da valentia, da coragem e da simplicidade deste nosso povo português.

Os restos desse barco imponente que foi a minha pátria ainda flutuam no mar português, ainda me ensinam de cor o caminho atribulado sobre as ondas.

Afinal, apenas hoje descobri que fui feliz.

Quando o céu se pintava eternamente de azul e a vida parecia estar em cada uma das estrelas que me acompanhavam, quando os pássaros traziam nos seus bicos a magia de mais um dia, quando sorria e não sabia ao certo que sorria … era feliz.

Na verdade, a felicidade é apenas sorrir, sorrir e levar o mundo na palma da mão, sorrir e desbravar o mar com asas de sonho, sorrir e descobrir o mundo.

Por isso escrevo, escrevo tremulamente enquanto recordo, escrevo nas nuvens do céu, na areia do mar e nas folhas de papel a história de quem venceu, de quem se viu pequeno e ansiou tornar-se grande.


Isa Mestre

1º PRÉMIO III Escalão do Concurso Literário Elos Clube de Faro - Jovens Autores 2006