sábado, setembro 17, 2005

A ALEGRIA DE SER ÚTIL POR BALTAZAR REBELLO DE SOUZA

A ALEGRIA DE SER ÚTIL

Quantas vezes, mesmo a pessoas amigas e de "boa formação" (se a
expressão não suscita remoques de moralismo) ouvimos dizer: «Mas
porque andas netido nessas coisas ? Goza a tua vida, trata dos teus
teres e haveres, não percas o teu tempo com devoções, canseiras,
sacríficios em benefício dos outros! Olha que ninguém te agradece!»
Certamente muitos de nós já escutámos, repetidamente, estas
advertências.
Na verdade, a nossa actividade elista pode dar origem a elas.
Sobretudo ao nível dos dirigentes, esse generoso esforço dá-nos
preocupações, rouba-nos o sono, sobrecarrega-nos os horários,
constrange-nos a bater à porta do poder político ou económico,
obriga-nos a sofrer com a desgraça, a acudir a aflições, a servir de
conselheiros ou de árbitros, a acompanhar doentes, a abrir a nossa
própria alma, e a casa, e a bolsa, nem sempre preparadas e abastadas
para tal...
Em lugar de tratarmos «só de nós» e dos nossos, cuidamos dos "outros",
não só na solidariedade com este ou aquele, mas «dessas coisas», que
julgamos se causa superior, e se traduem em «ideal» e dão corpo e
alma a instituições de «bem fazer».
Não é que de mal «mal fazer» anda o Mundo cheio ?
Por todo o lado se erguem brados de indignação, se cobram exigências,
quando não se levantam armas para - dizem - defender o Povo, os fracos
e oprimidos, combater a injustiça, curar dos direitos humanos,
estabelecer esquemas progressitas, operativos, que assegurem quadros
róseos de igualdade, fraternidade, prosperidade e paz.
Palavras. Palavras. Que bastas vezes, parecendo sinceras, nobres e
altruístas - e em muitos casos o serão, mas desprovidas da real
eficácia - albergam animosidades, frustrações, duplos sentidos,
encoberto fins, agressividades - e ódios.
O que vemos ser mesmo muito dominante dos «exemplos», a vários níveis,
é a teoria do "proveito", da fruição egoísta e em tantos casos
desordenada, chocante, afrontosa, dos bens que, sendo humanamente
legítimo, pelo trabalho, desejar, obter e gozar, explodem num
consumismo diabólico que não cansam de alimentar... e dele se
alimentar.
Cada um fecha-se sobre si próprio, ou no seu mundo, não digo em torre
de marfim, mas no beco do fala-só.
É assim deveras estranho, para muitos, que haja quem siga aquele
prudente e limitativo conselho a que aludimos: «porque andas metido
"nessas coisas? "Olha que ninguém te agradece!"»
O Movimento Elista nasceu, justamente, da capacidade de dádiva e
acção do pequeno grupo de homens da cidade de Santos, luso-brasileiros
de «boa formação», que deliberaram juntar-se para apostarem em um ideal
e em o expandir. No ideal da «Lusitanidade», ou seja, nessa vivência
lusíada a outros levada e neles imbuída, de uma «civilização de
afecto», de miscegenização, de ganhos recíprocos no convívio, na
permuta de experiências, de culturas, na fraternidade. Civilização que
tem como instrumento básico - a Língua comum, e, com ela, toda a força
da compreensão: "falando é que a gente se entende".
E, assim, do núcleo inicial de Santos, se multiplicaram os Elos que se
estenderam mundo fora, neste encadeado de boas vontades, de «bem
fazer», de suplementos de alma, arrastados pela paixão de servir um
Humanismo concreto, vazado na prática elista. Toda ela de respeito
humano, de ascensão cultural, de apreço pelas artes, as letras, as
ciências em geral e, no particular, privilegiando as sociedades
lusófonas, do Brasil a Portugal e deste às Áfricas, à Ásia, a nações e
comunidades pelo universo repartidas.
Para quantos não entendem esta nossa atitude de cuidar «destas
coisas», desta nossa devoção pelo mundo lusíada e pela Língua,
história e tradições que identificam, devemos responder, Companheiros,
simplesmente abrindo-lhes os olhos para esta visão ampla e generosa
que desse mundo lusíada irradia pela Humanidade inteira, num grandioso
e construtivo sentimento de amor e paz.
Vale a pena trabalhar e lutar por «essas coisas».
Vale a pena assumir a nossa missão como pessoas, junto de pessoas, de
cidadãos da Pátria e de cidadãos do Mundo.
É possível que ninguém nos agradeça. Mas não estamos à espera dessa ou
de outra recompensa. Apenas desta enormíssima, a do imenso gosto de
cada um cumprir o seu dever social, na grande, espantosa e pura
alegria de SER ÚTIL.

BALTAZAR REBELLO DE SOUZA
( in Revista do Elos Internacional Janeiro-Junho -1993)