Conto de Natal - "A Chegada do Novo Ano" por Maria José Fraqueza
A CHEGADA DO NOVO ANO
Era enorme a algazarra. As crianças em rodopio andavam pelo bairro numa alegria pouco vulgar.
- Que se passa aqui? – perguntei eu.
- Qual quê? Ninguém me dava atenção!
De repente uma voz de mulher ecoa pela rua fora:
- Vizinha Joana, não vai pôr a colcha na janela?
- Querem lá ver que vão passar com o Menino Jesus na “charola”?
- Pode lá ser? Isso já passou de moda!...
Resolvi entrar em casa. Há muito que não ia à aldeia passar as férias de Natal. Na velha salinha de estar lá estavam os retratos de família nas grandes molduras douradas. Lá estava o avô Raul de barbas branquinhas que fazia lembrar o Pai Natal. Com ele olhar bondoso de sempre parecia sorrir. Olhei a velha chaminé onde ia pôr o sapatinho. Sentei-me extenuada no velho cadeirão e folheei o velho álbum de recordações. De repente, batem à porta.
- A menina já chegou? Era a vizinha Anica sempre atenta a todo o movimento.
- Entre, faça favor! Anica entrava sempre muito desembaraçada, activa, faladora por “sete cotovelos”.
Abraça-me efusivamente sentindo a alegria da minha chegada.
- Já viu a menina o desassossego desta gente! Anda tudo doido! Noutro tempo não era nada disto, ai o descansado do seu avô era uma pessoa que nesta altura me faz lembrar quando íamos à espera do Santo Reis. Levava-nos até à Ponte Grande e percorríamos a estrada fora cantando...
- Ainda se lembra da cantiga?
- Oh! Se me lembro, ainda não perdi a memória e começou por dizê-la:
À espera do Santo Reis
À Pedra Furada
Enganei-me no caminho
Fui à casa da amada!
- Da amada? Mas quem era a amada? A amada era a avó certamente...
O desfile de recordações estavam bem presentes na mente da vizinha Anica que ainda havia acompanhado parte daquele tempo e recordava:
Os Santos Reis, vinham montados em cavalos, vestidos a rigor e traziam os presentes para as crianças. Era uma enorme alegria! Um mundo de fantasias... mas tão belo! Agora as realidades são outras! As fantasias também...
- Então quais são as fantasias de agora – perguntei-lhe.
- A menina não vê aquele burburinho todo dos “moços pequenos”?
A vizinha Ana tenta explicar:
Aquele barulho todo que a Menina ouviu na rua, é que esta noite, toda a gente vai esperar a chegada de D. Milénio II. Quando der a última badalada da meia-noite, encontram-se no Parque do Ano Velho, onde D. Milénio I, vai ser sepultado e as pessoas enfeitam as janelas com as colchas para ver passar o cortejo. D. Milénio II desembarca no cais, numa embarcação toda embandeirada. Como ele é o rei sucessor vem acompanhado por uma dama da corte – a Primavera, vestida de flores e uma linda tiara de amendoeira branca e os três pagens – o Outono, vestido de folhas douradas – o Inverno vem vestido de smoking preto e o Verão vestido de branco pérola.
Atrás deles, a banda da corte, passarinhos a chilrear e gaivotas a grasnar... ao som da melodia das ondas do mar e do canto dos rios...
Depois, o cortejo com a urna do D. Milénio I segue ao seu encontro até à ponta do cais, perto do farol, onde as cinzas irão ser deitadas ao mar e reza a seguinte oração:
“Parte Irmão em paz para as ondas do mar salgado para a terra de ninguém, onde não ouças cantar nem galo, nem galinha, nem filhos por pais bradar. Em louvor de Deus e da Virgem Maria – Padre Nosso e Avé-Maria”
- E depois da chegada do Milénio II, que fazem? – pergunto eu pasmada com esta história incrível. Ela continuava com a sua fértil imaginação...
Este rei é recebido com pompa e circunstância. As damas vestidas com os seus belos vestidos brilhantes, vão para o baile, dançam até vir o dia. Entre taças de champanhe, saúdam D. Milénio II, cantam e bailam na esperança de melhor futuro.
Aos gritos da multidão dei um salto... e esbocei um sorriso, creio que cansada da viagem, havia adormecido no velho cadeirão.
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** in "Os Meus Contos de Natal" por Maria José Fraqueza - Edição do Elos Clube de Faro Dezembro de 2006
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